Projeto Luz do
Saber - Alfabetização com inclusão digital
Fortalecer raízes e criar asas
em círculos de aprendizagem
Relatos de experiências desenvolvidas
entre
2010 e 2014 no Distrito Federal e Entorno
2010 e 2014 no Distrito Federal e Entorno
Agradecimentos
Esta experiência não teria sido possível sem a força do
voluntariado, composta pelos sócios de diversos núcleos da União do Vegetal do
Distrito Federal. Pessoas que atenderam ao chamado de “fazer valer o bem”,
doando seu tempo e seus talentos a esta iniciativa. A lista de todas elas
encontra-se na contracapa desta publicação. Manifestamos nossa gratidão a quem,
pela sua determinação e persistência, apostou na proposta de implantar o Luz do
Saber no Distrito Federal, entre as quais: Angela Martins e Márcio Santiago, respectivamente
ex e atual presidentes da Casa da União; Lauréti Lopes Mascarin,
ex-Coordenadora Nacional do Luz do Saber; José Araújo e Everaldo Azevedo, ex-representante
e ex-presidente do Núcleo Luz do Oriente, e Ednaldo Azevedo, presidente do
Ninho dos Artistas, por terem criado um ambiente de possibilidades para a
concretização da proposta; Carmen Palet e Carla Franco, da Coordenação Regional
da Beneficência da UDV, pelo empenho em manter viva a chama do Luz do Saber no
DF; Edison Saraiva e Cláudio Sarkis, pelo encorajamento visionário e o apoio
financeiro; Graziene Moreira, pelas valiosas dicas sobre o funcionamento do Luz
do Saber em Goiânia; Maria Madalena Torres, do Cepafre, e William Bonfim, da
Recid, pelas ideias inovadoras e a capacidade de trocas solidárias; à gráfica
Semear, à Universidade de Brasília, à empresa Tramity e ao gabinete da Deputada
Federal, Perpétua Almeida, pelos diversos apoios que recebemos.
Brasília, dezembro de 2014.
Sumário
Por que Luz do Saber
Propósito deste processo alfabetizador
Retrato das reflexões sobre nossa
prática
O que é o
Luz do Saber
Parceiros dessa história
A contribuição de cada um
Estágios da proposta: gestar,
planejar, realizar e refletir
Alfabetização em São Sebastião,
decorrência desta iniciativa
A “descoberta” de Águas Lindas
Funcionamento do laboratório
Dinâmica do Projeto
Acompanhando o desenvolvimento dos
estudantes
Aulas
especiais: compartilhando talentos
Formações
no software Luz do Saber
Contatos
com o Cepafre e a Recid
Grupo de planejamento, registro e
sistematização
O foco da sistematização realizada
Pergunta 1
Pergunta 2
Pergunta 3
Conclusão. Conclusão?
Anexo 1. Cartas Pedagógicas
Anexo 2. Exemplo de planejamento das
aulas
Por que Luz do Saber
Que opções existem em nossa sociedade
para pessoas que não conseguem pegar um ônibus, pois não sabem ler? Ou que ficam
envergonhadas, porque seus documentos pessoais não possuem assinatura, mas a
marca do polegar? E o que dizer daqueles que, mesmo reconhecendo as letras e
assinando o seu próprio nome, não sabem lidar com um telefone celular ou fazer
um depósito no caixa eletrônico do banco?
Vivemos na chamada sociedade da
informação, de fluxo rápido e de interpretações instantâneas. Ao mesmo tempo,
esta é uma sociedade excludente, onde quem não se adapta é (des)tratado. O
analfabetismo ainda é uma dura realidade para milhões de pessoas. Pessoas que,
por não saberem ler e escrever, são excluídas do desenvolvimento social e
econômico de nosso país. Vivendo em ambientes que desvalorizam seus saberes e
seu poder pessoal, elas permanecem presas a um círculo vicioso que deteriora
sua qualidade de vida e a de suas famílias.
O Projeto Luz do Saber pretende
romper esses dois empecilhos: o analfabetismo e a exclusão digital. O Projeto
ensina a ler e escrever com auxílio do computador. Mas não só isso. Por meio de
forte interação social, promove a valorização pessoal e o acesso a direitos de
cidadania. Ou seja, permite que as pessoas tenham novas chances de ver e
interpretar o mundo, modificando-o. Assim,
o Luz do Saber se configura como instrumento de inclusão e oportunidade para a
discussão coletiva da realidade, com vislumbre de modificá-la.
Propósito deste processo alfabetizador
O propósito da aprendizagem
retratada nesta publicação está expresso no título “Fortalecer raízes e criar
asas em círculos de aprendizagem”.
Fortalecer raízes, porque
acreditamos que participar de processos de alfabetização fortalece a identidade
pessoal e comunitária. Auxilia as pessoas a se autoanalisarem, perguntando-se:
Quem sou eu? De onde venho?
Que importância tem a minha vida para mim e para os outros?
Com isso, a
alfabetização contribui para aumentar a autoestima tanto de educandos quanto de
educadores. Fortalece sua identidade, tornando as pessoas mais capazes de
reconhecer e valorizar os recursos que estão ao seu alcance no seu próprio
ambiente, na cultura e na comunidade em que convivem.
Criar asas,
porque a alfabetização, ampliando o conhecimento das pessoas sobre a sua realidade,
permite-lhes mais autonomia para fazer escolhas. Isso dá maior segurança para
pegar um ônibus até a possibilidade de encontrar um emprego melhor... Ou auxiliar
os filhos nas lições de casa... Ou contribuir com a modificação das condições do
bairro... Ou muito mais... O tamanho do voo depende do tamanho das asas criadas.
Em círculos de
aprendizagem, porque acreditamos que em um processo educativo todos
– educadores e educandos – aprendemos e enriquecemo-nos mutuamente por meio da
interação contínua. Uns aprendem ensinando, outros ensinam aprendendo. Constituímos
uma comunidade aprendente, conforme defendia o educador Paulo Freire, em quem o
Luz do Saber se inspira.
Retrato das reflexões sobre nossa
prática
Esta publicação retrata os
resultados do Projeto Luz do Saber em Águas Lindas de Goiás, no entorno do
Distrito Federal, entre os anos de 2012 e 2014. Foi realizada com base nas reflexões
de um grupo de educadores voluntários, que se debruçou sobre as ações e os
resultados obtidos em dois ciclos de alfabetização propiciados pela parceria entre
as associações Casa da União (de Brasília) e Ninho dos Artistas, e com apoio financeiro
da empresa Bioon.
Para
conhecer esta experiência em mais detalhes, acesse <http://luzdosaberaguaslindas.blogspot.com.br/>
Como uma árvore que possui
raízes, o processo em Águas Lindas se deu a partir de movimentos ocorridos
antes, abrangendo o período de 2010 a 2014, que são resgatados em uma Linha do
Tempo. A publicação registra também os resultados de outra experiência de
alfabetização, realizada na zona rural de São Sebastião-DF em 2013, surgido
como resultado das formações e reflexões propiciadas pelo Projeto do Luz do
Saber em Águas Lindas de Goiás. Raízes e frutos estão presentes, portanto. Mas
a reflexão refere-se apenas ao processo ocorrido em Águas Lindas.
Desejamos que as lições produzidas
nesta sistematização inspirem os sonhos e as práticas daqueles que acreditam na
educação. E que sirvam para alimentar suas próprias iniciativas, sem necessidade
de “reinventar a roda”, mas fazendo girá-la melhor. Acreditamos que as experiências
já vividas – e principalmente as reflexões sobre elas – têm potencial para
transformar realidades. Portanto, boa leitura!
O que é o Luz do Saber
O Luz do
Saber é uma metodologia de alfabetização de jovens e adultos que se baseia em
um software livre[1] com
o mesmo nome, em um manual pedagógico, em aulas na frente do computador e em
atividades de lápis e papel. Para utilizá-los se faz necessário realizar uma
formação específica e criar um “ambiente” alfabetizador.
Esse
ambiente é constituído por:
·
Computador onde o software possa ser instalado
ou conectado à internet.
·
E uma “mesa alfabetizadora”, na qual os
estudantes podem exercitar a coordenação motora e interagir em grupo.
As aulas intercalam
momentos de trabalho individual, em frente ao computador, com momentos de
interação e socialização das aprendizagens.
O trabalho
é facilitado por uma pessoa que tenha feito a formação no software e que possa
acompanhar os estudantes em sua trajetória pelas 19 aulas previstas no primeiro
módulo do curso.
Segundo esta proposta educacional, o
computador e o software alfabetizador são ferramentas; o professor/facilitador
tem papel orientador e mediador; e o aluno é um colaborador ativo de sua
própria aprendizagem.
Para
saber mais sobre o software Luz do Saber, acesse:
http://www.luzdosaber.seduc.ce.gov.br/
Sobre o software
O software
Luz do Saber surgiu em 2007 de uma proposta da Casa da União-Brasília/CEBUDV, apoiada
pela Casa Brasil, da Presidência da República, do Ministério da Educação e da Secretaria
da Educação do Estado do Ceará. O programa, feito em plataforma livre, está
disponível para as escolas da rede pública de educação[2],
ONGs, associações comunitárias, movimentos populares, e demais instituições que
atendem a esse público-alvo.
Trata-se
de um software de autoria, ou seja, que permite a produção de novas aulas, com
a alteração das palavras geradoras, a introdução de novos textos e imagens para
adaptar ao contexto local e ao universo cultural de seus alunos. Baseia-se no conceito
dos círculos de cultura do educador Paulo Freire e considera as contribuições das
educadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky acerca do processo de aquisição do
código linguístico.
O Luz do
Saber está dividido em sete menus interdependentes: “Começar”, “Ler”;
“Escrever”; “Karaokê”; “Favoritos”; “Internet”; “Professor”. O primeiro é composto
pela “Apresentação do computador”, “Círculos de Cultura” e “Aprendendo usar o
computador”, composto por 20 atividades que visam ao estímulo através de jogos,
ao conhecimento dos fonemas e grafemas que compõem o nome do aluno e,
paralelamente, ao desenvolvimento das competências necessárias ao uso de mouse
e do teclado. O módulo “Ler”, com base no “Método Paulo Freire” de
alfabetização, visa potencializar o processo inicial de alfabetização.
O software
conta com a proposta de 19 aulas que possuem várias atividades cada. Ao todo,
estas aulas contêm 213 atividades pedagógicas para demonstração. O programa é
compatível com os sistemas operacionais Linux e Windows.
Parceiros dessa história
Associação
Beneficente Casa da União - Brasília
Essa entidade civil sem fins lucrativos integra o Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal (CEBUDV), uma religião que comunga ritualisticamente
o chá conhecido pelo nome de Hoasca. Fundada em 10 de fevereiro de 1982, a Casa
da União - Brasília tem caráter filantrópico, assistencial, educacional e
cultural. Desenvolve suas atividades no Distrito Federal, voltadas à promoção
social de parcelas marginalizadas da população, sem distinção de sexo, cor,
raça, nacionalidade, crença religiosa ou classe social.
Entre seus afiliados, a entidade conta com profissionais da rede
pública de educação e também com pessoas vinculadas à educação popular e à cultura
digital. Alguns desses profissionais formularam a proposta do Projeto Luz do
Saber em Águas Lindas de Goiás e fizeram a formação de educadores para os
processos de alfabetização.
Dois núcleos
da União do Vegetal do Distrito Federal, por meio de seus Departamentos de Beneficência,
desenvolveram laboratórios do Luz do Saber no período entre 2012 e 2014. Voluntários
do Núcleo Luz do Oriente iniciaram a proposta do Luz do Saber em Águas Lindas
de Goiás. Inspirados nas formações e reflexões resultantes desse processo,
integrantes do Núcleo Estrela Matutina iniciaram um laboratório em 2013.
Casa da União está no Facebook. Curta o perfil e
acesse o site para mais informações:
www. casadauniao.org.br
Associação Castelinho
Cultural Ninho dos Artistas (ACULNA)
O Ninho dos Artistas é uma Organização Não Governamental que
desenvolve atividades de formação profissional, cultural e esportiva em Águas
Lindas de Goiás. Formalizada apenas em 2000, o
Ninho dos Artistas vem desenvolvendo ações de educação e cultura há mais de 30
anos junto à comunidade daquela região.
Ali funcionou
a primeira escolinha da então comunidade rural do Descoberto, antes mesmo da
existência da cidade. No espaço de 60 mil m2 realizam-se cursos
profissionalizantes, de caráter beneficente: marcenaria, serralheria, cerâmica,
teatro, confecção de brinquedos, informática.
O Ninho dos Artistas enfatiza ações que
desenvolvam diferentes habilidades artesanais, preparando as pessoas,
principalmente os jovens e adultos, para o mercado de trabalho. No local existe
um amplo espaço multiuso, dotado de biblioteca e computadores, onde foram
realizadas as atividades do Luz do Saber.
Ninho dos Artistas está no Facebook. Curta o
perfil e conheça o blog: http://ninhodosatistas.blogspot.com.br/
Bioon
Esta empresa de Brasília comercializa uma ampla diversidade
de produtos, desde alimentos, cosméticos, fitoterápicos, produtos de limpeza.
Todos com procedência garantida e seguindo critérios que valorizam o cuidado
com o meio ambiente e com as pessoas. Seu apoio a esta iniciativa deve-se à crença da empresa
de que o negócio deve favorecer o social.
A Bioon Ecomercado está no Facebook. Curta o
perfil e acesse o site para mais informações:
www.bioon.com.br
www.bioon.com.br
O diagrama abaixo mostra as
relações que se estabeleceram entre os parceiros para a realização dos laboratórios
de São Sebastião e Águas Lindas. As áreas pontilhadas se referem a iniciativas,
que embora relacionadas ao projeto, não são objeto desta sistematização.
A contribuição de cada um
Linha do Tempo
Estágios da proposta: gestar, planejar, realizar e
refletir
Na condição de coautora do software Luz do Saber, a Casa da União –
Brasília sempre teve interesse em testar a eficácia da metodologia proposta. A
intenção era realizar uma iniciativa, refletir sobre ela e propor caminhos para
ampliar a escala do trabalho. As condições propícias para isso surgiram em 2010.
Acompanhe a trajetória da proposta.
2010
·
A meta da diretoria da Associação Beneficente
Casa da União durante o triênio 2009-2012 era implantar pelo menos um
laboratório do Luz do Saber no Distrito Federal.
·
Foram realizados contatos com a Associação
Amigos do Vôlei visando implantar laboratórios do Luz do Saber em espaços onde aquela
entidade realiza suas atividades.
·
Em setembro de 2010 realizou-se a primeira
formação do Luz do Saber na Vila Olímpica Rei Pelé, em Samambaia - DF. Participaram
27 pessoas, gente de diversos núcleos do CEBUDV disposta a trabalhar no projeto
de forma voluntária. Mas a parceria com a Associação Amigos do Vôlei não chegou
a se efetivar.
2011
·
Durante apresentação sobre as ações da Casa da
União no Núcleo Luz do Oriente, na chamada Casa da União Itinerante, a
Presidência do Núcleo manifestou interesse em implantar um laboratório experimental
do Luz do Saber.
·
Um grupo de voluntários se reuniu em torno de
proposta e no fim do ano ocorreu uma oficina para formação de educadores do
Projeto na Associação Ninho dos Artistas, em Águas Lindas de Goiás.
2012
·
No início desse ano formalizou-se a proposta desse
Projeto e durante o primeiro semestre ocorreram negociações para implantá-lo.
·
Em agosto desse ano teve início a primeira turma
do Luz do Saber em Águas Lindas.
·
Entre agosto e dezembro foram realizados eventos
de formação, com destaque para as trocas realizadas com o Centro Paulo Freire –
Cepafre, para aprimoramento da proposta pedagógica, e mais uma formação sobre o
software Luz do Saber. Dessas formações
participam integrantes do Núcleo Estrela Matutina.
2013
·
Em fevereiro, integrantes do Departamento de
Beneficência do Núcleo Estrela Matutina elaboraram projeto de implantação de um
laboratório do Luz do Saber na zona rural de São Sebastião, que foi realizado
de março a outubro.
·
Em março, a Prefeitura de Águas Lindas manifestou
interesse em desenvolver novos laboratórios do projeto no município, porém as conversações
não foram adiante.
·
Em abril, a primeira fase do projeto Luz do
Saber em Águas Lindas foi concluída. Teve início a fase de planejamento da
segunda turma.
·
Em agosto começou a segunda turma do laboratório
de Águas Lindas.
2014
·
Em março houve a conclusão da segunda turma do
Luz do Saber em Águas Lindas.
·
De abril a julho realizaram-se quatro reuniões
de sistematização da experiência de Águas Lindas, das quais participaram alguns
dos educadores voluntários da primeira e da segunda turmas.
·
Entre novembro e dezembro, foi elaborada a
publicação do projeto.
Alfabetização em São Sebastião, decorrência desta
iniciativa
A
participação de pessoas do Núcleo Estrela Matutina nas formações realizadas
pelo Projeto geraram uma iniciativa de alfabetização na zona rural de São
Sebastião-DF. As aulas tiveram início em fevereiro de 2013 na varanda de uma casa
margeada pelo córrego Tororó, conduzidas uma vez por semana pelas monitoras
Maria Paula Vasconcelos, Ana Cristina Borges e Elza Lasse.
Inicialmente
participaram seis alunos em aulas que ocorriam apenas uma vez por semana, às
quintas-feiras, com duração de quatro horas. Este trabalho foi realizado de
forma voluntária. Posteriormente a Monitoria da Casa da União passou a arcar
com uma ajuda de custo à educadora Ana Cristina Borges, para que assumisse de
forma permanente o trabalho.
No
ano de 2014 priorizou-se acompanhar os mesmos alunos, estimulando na prática da
leitura por meio de literatura apropriada para estudo domiciliar. Em outubro desse
ano, articulações realizadas com a equipe docente do Colégio CESAS, de
Brasília, permitiu que esses alunos fizessem uma prova de avaliação para serem
inseridos na rede pública de ensino. O nível obtido por eles nesta avaliação foi
de 5º ano do Ensino Fundamental, o que para alunos representou um grande salto.
Três deles deram prosseguimento aos estudos por meio da modalidade de educação
a distância, mais adaptada à realidade rural.
“A experiência de inserção dos
alunos na rede pública de ensino oferece ao professor do Programa Luz do Saber
um sentimento de alegria como de um bebê que dá os primeiro passos. É uma beneficência
valiosa, mas que exige um nível de acompanhamento muito aproximado.”
Maria Paula Vasconcelos Taunay,
educadora do Luz do Saber em Tororó
educadora do Luz do Saber em Tororó
A “descoberta” de Águas Lindas
Águas Lindas é a quinta cidade mais populosa do Estado de Goiás, com
cerca de 170 mil habitantes. Situa-se na bacia do rio Descoberto, no entorno do
Distrito Federal. Grande parte de sua população desloca-se diariamente para trabalhar
nas cidades satélites do DF, como Ceilândia, Taguatinga, ou mesmo no Plano
Piloto.
Embora o município possua escolas da rede pública
municipal e estadual e tenha também uma universidade, o índice de analfabetismo
é um dos mais altos do Estado de Goiás. Em 2004 este índice era de 10%. Quando
se leva em conta o analfabetismo funcional[3], esse
índice sobe para 24%, principalmente na população adulta.
O
Ninho dos Artistas se situa no bairro Guaíra, onde não há escolas que oferecem
cursos de Educação de Jovens e Adultos. Por isso, cursar EJA é custoso,
principalmente devido ao perfil dos estudantes. A maioria passa horas em ônibus
lotados, tanto para ir quanto para voltar do trabalho. Para eles, estudar à
noite torna-se quase impossível se houver necessidade de mais deslocamentos. Uma
pesquisa no bairro identificou um grupo de pessoas interessadas em ler e
escrever. Todas morando nas ruas
próximas ao Ninho dos Artistas ou cujos filhos participavam de atividades
socioculturais e esportivas nesta ONG.
“Alguns dizem que Águas Lindas é
muito longe. Mas eu digo que longe é onde não existe nem Coca-cola e nem
cearense.”
Auricélio Timbó, professor
voluntário que participou das
duas fases do Luz do Saber em Águas Lindas,
mesmo morando em Águas Claras - DF, a 49 km de distância,
e usando transporte público.
duas fases do Luz do Saber em Águas Lindas,
mesmo morando em Águas Claras - DF, a 49 km de distância,
e usando transporte público.
Funcionamento do laboratório
No período compreendido entre
2012 e 2014, o Projeto Luz do Saber em Águas Lindas - GO realizou duas turmas
de alfabetização de jovens e adultos. A primeira teve início em agosto de 2012
e concluiu em maio de 2013. Matricularam-se 21 pessoas e 13 concluíram o curso
alfabetizadas (61% de aproveitamento). A segunda fase teve início em agosto de
2013 e concluiu em março de 2014 com 15 matriculados e nove alfabetizados
(60%).
As
aulas ocorreram no espaço multiuso do Ninho dos Artistas, que foi convertido em
ambiente alfabetizador graças à parceria entre as duas instituições. Além dos
computadores, mesas e cadeiras, o ambiente alfabetizador é criado para acolher
e estimular a leitura e a escrita. Isso envolve, por exemplo, colocar nomes em
todos os objetos, decorar as paredes com letras e números, e estabelecer
espaços de socialização, como o mural dos aniversariantes do mês.
As aulas eram realizadas de segunda a quinta-feira,
das 19h30 às 21h30. A carga horária semanal foi definida em função da realidade
dos estudantes, pois grande parte deles trabalha em locais distantes da
moradia. As sextas-feiras livres atenderam a um duplo propósito: um tempo para
a equipe pedagógica planejar as atividades da semana seguinte e também uma
noite para os alunos cuidarem de suas necessidades pessoais.
“Vejo que a flexibilidade quanto à presença
tem que ser aplicada, porque a realidade dos alunos é de uma rotina muito
dura.”
Fábio
Queiroz,
educador voluntário da segunda turma
do Luz do Saber em Águas Lindas
educador voluntário da segunda turma
do Luz do Saber em Águas Lindas
Dinâmica do Projeto
Há diversas
experiências do Luz do Saber ocorrendo Brasil afora. Com base na troca de experiências,
em especial com a equipe de educadores de Goiânia, foi possível desenhar um
projeto “piloto”. Nossa intenção foi atender à necessidade identificada no
bairro Guaíra, em Águas Lindas. Mas também pretendíamos refletir sobre a
experiência, identificando a maneira mais adequada de ampliar o atendimento
para o Distrito Federal.
A proposta se fundamentou no desenvolvimento
concomitante do trabalho pedagógico com assistência social aos estudantes. Para
isso, baseou-se na interação entre um educador, responsável
pela alfabetização dos alunos; uma educadora social, que acompanhou suas necessidades
em termos materiais; e em um grupo de educadores voluntários, responsáveis por
auxiliar nas aulas, planejar as atividades e refletir sobre a experiência. O
diagrama abaixo resume a ideia.
Considerando
este tripé para o funcionamento do Projeto, a equipe decidiu:
Remunerar
duas pessoas fixas no atendimento aos estudantes – O projeto pagou ajuda de custo para um alfabetizador e uma
educadora social. Os dois foram selecionados considerando dois critérios: (1)
terem recebido formação no software Luz do Saber; (2) Residirem nas proximidades
do Ninho dos Artistas. O alfabetizador foi a pessoa de referência fixa para os
estudantes em relação à questão pedagógica.
Educadora social, uma novidade – Embora
tenha auxiliado nas aulas, especialmente na segunda fase de alfabetização, esta
possuía a função de acompanhar o cotidiano dos estudantes em relação às suas
necessidades de acesso às políticas públicas de assistência social. Dessa forma,
ela visitava as casas, identificando o motivo de faltas e desistências,
acompanhando os estudantes em suas demandas junto ao Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS), entre outras atividades. Ao
longo dos dois ciclos de alfabetização, a educadora social encaminhou seis
pessoas para consulta oftalmológica, uma para cardiologista e um casal para
tratamento de dependência química. Auxiliou duas pessoas na renovação de Bolsa
Família e no cadastro do Programa Morar Bem. Encaminhou duas pessoas para tirar
carteira de identidade. Facilitou o acesso de uma pessoa a cesta básica, e a
material de construção para outra.
Reforço no
voluntariado – A ênfase na ação
dos voluntários se deu em duas frentes:
(1) realização de “aulas especiais”– Essas
aulas foram elaboradas por voluntários que se dispuseram a realizar trocas com
os estudantes sobre assuntos que conheciam. Ocorreram aulas especiais de
diversos tipos e formatos (veja Box).
(2) constituição de um grupo de educadores
populares capazes de refletir sobre a metodologia de trabalho, enriquecê-la
com novas abordagens e multiplicá-la em outros âmbitos. Para isso, ocorreram três
formações específicas sobre o software Luz do Saber, das quais participaram
pessoas de diversos núcleos do CEBUDV e integrantes da Casa da União (veja Box). Houve também reuniões
específicas para trocas pedagógicas com outros grupos, como o Centro de
Educação Paulo Freire (Cepafre), sobre palavras geradoras, e a Rede de Educação
Cidadã (Recid), sobre cartas pedagógicas (veja
Box). Dentre o grupo de voluntários
destaca-se a equipe de coordenação, que além de auxiliar o alfabetizador e a
educadora social a planejar as atividades também auxiliou na sistematização da
experiência (veja Box).
Hora
de aula!
As aulas obedeceram a uma dinâmica que
tinha por objetivo ser sempre atrativas aos estudantes. Eram momentos em que as
pessoas podiam esquecer as duras jornadas de trabalho, o transporte e o cansaço
físico, mergulhando no encantamento de interagir e aprender. Em geral, as aulas
tinham os seguintes momentos:
·
Dinâmica
de acolhimento: tempo para interação inicial, seja por meio de um vídeo, seja
por meio de uma roda de “causos”, piadas, jogos, etc., em que era introduzido o
tema da aula.
·
Atividades
na mesa alfabetizadora: em que as interações convergiam para a
atividade do dia. Eram utilizados para isso, revistas, papéis, lápis de cor,
cola, de forma que a aprendizagem se dava de forma lúdica. Os estudantes faziam
os exercícios propostos e eram convidados a corrigi-los utilizando a lousa,
socializando as aprendizagens.
·
Atividades
no computador: momento em que os estudantes podiam trabalhar o tema da aula
sozinhos, de acordo com o seu ritmo de aprendizagem. Como este momento era o
mais esperado do dia, optou-se por colocá-lo por último. Dessa forma, os estudantes
não saíam antes da conclusão das aulas.
·
Celebrações: Uma vez
por mês havia momentos de confraternização para homenagear os aniversariantes
do mês, cujos nomes estavam registrados no mural. O início e o fim dos ciclos
de alfabetização também foram momentos marcantes de troca com a comunidade,
autoridades municipais e parceiros da iniciativa. Para esses momentos, os
estudantes eram convidados a participar ativamente, fazendo cartazes, cartas,
cartões, convites como parte do processo de aprendizagem.
A produção de cada estudante foi
registrada em uma pasta específica. Ali estão guardados os trabalhos especiais
realizados na mesa alfabetizadora, os testes iniciais para saber o seu nível de
alfabetização e os testes finais para atestar o desenvolvimento obtido.
Duas turmas distintas, a primeira que se
formou com nove meses de aulas e a segunda com pouco mais de sete meses, que
aos poucos pelo caminho, foram partilhando suas dúvidas e saberes,
e conhecendo os números, as letras, até mesmo por recortes de revista e
bordados em linhas coloridas, se reconhecendo enquanto gente.
Rodrigo
Garcia,
educador do Projeto
educador do Projeto
Acompanhando o desenvolvimento dos estudantes
A
seguir, registros feitos pela educadora social, Maria Ivete Queiroz, sobre suas
percepções do desenvolvimento ocorrido com quatro estudantes que participaram
da primeira e da segunda turma do Projeto Luz do Saber em Águas Lindas:
Aluna
|
Natália
Alves de Oliveira
|
Idade
|
34 anos
|
Sonho
|
Continuar
estudando
|
Natália só sabia escrever (desenhar)
seu nome. Conhecia as letras, dizia que não conseguia aprender, tinha
autoestima muito baixa. Dizia que não nasceu para saber ler, mas pouco a pouco
e com paciência conseguimos que ela percebesse que, como qualquer pessoa, ela
também poderia ser alfabetizada. Ela participou da primeira e da segunda fase.
Hoje ela sabe ler e escrever muito bem. Mas foi preciso ela participar das duas
fases do Luz do Saber.
Obs.: A Natália pra mim foi um
desafio. Ela é uma pessoa carente de tudo. Tinha que trabalhar com ela todos os
dias, mostrando que ela é uma pessoa capaz e com direitos, como todas as
outras.
Aluno
|
Lindomar
Gomes de Souza
|
Idade
|
34 anos
|
Sonho
|
Ter um
emprego melhor
|
Lindomar só estudou até a primeira
série do Ensino Fundamental. Iniciou sem saber as sílabas. Mas era muito
interessado em aprender. Quando terminou a primeira fase do Luz do Saber já
sabia ler e identificar as sílabas, formar palavras com duas sílabas. Na
segunda fase aprendeu a ler e a escrever corretamente.
A companheira dele me procurou muito
feliz, dizendo que ele já estava lendo mensagem no celular. Terminou a segunda
fase completamente alfabetizado.
Aluno
|
Humberto
Farias de Lima
|
Idade
|
44 anos
|
Sonho
|
Conhecer
novas palavras
|
Humberto tinha estudado na infância.
Só sabia escrever o nome e reconhecer as sílabas. Sempre presente nas aulas,
levava tarefas para casa. Participou das duas fases do projeto Luz do Saber,
pois na primeira fase não ficou completamente alfabetizado.
O Humberto levava um caderno para
escrever as palavras que ele achava difíceis. Se destacou nas aulas no
computador, sempre copiando no seu caderno. Foi alfabetizado completamente.
Ficava encantado com palavras novas, que ele dizia que nem sabia que existiam.
Aluna
|
Antônia
Ferreira dos Santos (Tânia)
|
Idade
|
58 anos
|
Sonho
|
Saber
pegar um ônibus
|
Iniciou, na primeira fase, sabendo
escrever seu nome. Não sabia ler, conhecia apenas o alfabeto, mas era muito
interessada. Às vezes ficava deprimida, dizia que estava demorando muito para
aprender. Mas teve incentivo para continuar. Na segunda fase, ela disse que a
memória dela estava melhorando e um dia ela me disse que parecia que tinha
aberto uma janela dentro da cabeça dela e que as palavras iam entrando e
ficando.
Hoje a Tânia é alfabetizada e disse
que não precisa mais pedir às pessoas para ler o itinerário dos ônibus, pois
ela mesma já sabe ler. Na conclusão da segunda fase, ela comprou um livro de
alfabetização para ela ler em casa. Foi preciso a Tânia participar das duas
fases do Luz do Saber pra ser alfabetizada.
Aulas
especiais: compartilhando talentos
Nas duas turmas
do Luz do Saber, as aulas especiais eram momentos bastante esperados por todos.
Nessas ocasiões, a rotina se rompia e os estudantes podiam conhecer outros
educadores, além daqueles presentes em seu cotidiano. Enriqueciam-se com o
conhecimento do educador voluntário, que se dispunha a interagir com base no
saber de sua especialidade.
Um desses
educadores voluntários foi Auricélio Timbó. Já que o software Luz do Saber só trabalha o letramento, esse educador
voluntário dava aulas de Matemática, desenvolvendo as operações de adição e
subtração, o que fez enorme sucesso entre os estudantes. Afinal, eles também
necessitam conhecer minimamente as quatro operações em seu cotidiano. (foto)
Além das
aulas de Matemática, ocorreram diversas aulas, como contação de histórias (foto), pesquisa na internet, culinária do Cerrado.
Dentre as aulas especiais, algumas resultaram em produtos realizados pelos
alunos:
Bordado – Ministrada pelas
educadoras populares e bordadeiras, Aldinéia Oliveira e Érika Cortez, essa aula
foi idealizada como estratégia para desenvolver a coordenação motora fina, necessária
à escrita cursiva. Grande parte das pessoas mais velhas ou acostumadas a
tarefas pesadas, como assentamento de tijolos, por exemplo, possuem dificuldade
em pegar no lápis e escrever com confiança. O exercício consistiu em ensinar os
estudantes a bordarem sua própria assinatura.
Inicialmente,
havia entre alguns educadores o temor de que a aula fosse gerar constrangimento
para os homens, já que o ato de bordar é socialmente considerado como “coisa de
mulher”. Surpreendentemente, foram os homens que responderam à aula com mais animação
e melhores resultados. O produto desta aula, transformado em um estandarte com
todas as assinaturas, foi apresentado na confraternização que marcou o fim do
primeiro ciclo de alfabetização. (foto das pessoas
bordando e do estandarte)
“Um diferencial positivo
que quero ressaltar é a ideia de experimentar aulas especiais: que foram
abrindo novas perspectivas, aproveitando o saber de pessoas simpatizantes do
projeto que atuam em diversas áreas: bordado, música, astrologia, saúde,
plantio... Enfim, a proposta é agregar os saberes de amigos do projeto aos
saberes dos educandos e vice-versa.”
Aldinéia Oliveira, educadora voluntária
A Carta – O correio é cada
vez mais usado para envio de cobranças, ações judiciais, cartas de deputados em
véspera de eleições. Pouca gente manda cartas de amor pelo correio. Resgatar a
carta como uma forma de comunicação simples e barata – especialmente para quem
está começando a ler e a escrever – tornou-se o objetivo dessa aula. Tarcísio
Rodopiano, profissional dos Correios e educador voluntário, foi ao Ninho dos
Artistas vestido a caráter. Sua chegada causou surpresa, pois ele simulou a
visita de um carteiro: bateu na porta e perguntou quem estava na
residência. Desenvolveu o conceito de comunicação pessoal por meio da escrita: como
se escreve uma carta, a importância do endereçamento, como se encontra o CEP, as
dificuldades do carteiro para entregar uma correspondência com erros de
endereçamento. Mostrou aos alunos qual é a trajetória da
carta para chegar do remetente ao destinatário. Como lição de casa, Tarcísio pediu que os
alunos escrevessem uma carta para alguém de quem gostam. E o fim de ano foi
marcado por diversas cartas endereçadas pelos alunos aos seus colegas de
classe.
Formações no software Luz do Saber
Antes e
durante os dois ciclos de alfabetização em Águas Lindas ocorreram três
formações sobre o software Luz do Saber. As atividades, com duração média de 8
horas cada uma, envolveram educadores voluntários de diversos núcleos da UDV em
Brasília e seguiram praticamente o mesmo roteiro: origem, evolução e princípios
da metodologia Luz do Saber e práticas pedagógicas relacionadas.
Em
seguida, os participantes (cerca de 20 pessoas por
formação) foram convidados a conhecer o ambiente alfabetizador, adentrando o software e
suas múltiplas funcionalidades, conhecendo e explorando item por item do menu:
·
Cadastramento
·
Planejando com o módulo "começar",
·
Construção do crachá e atividades
·
Vivenciando e planejando o módulo
"escrever"
·
Vivenciando e planejando o módulo "ler"
·
Manual pedagógico
·
A importância das atividades de lápis e papel na
mesa alfabetizadora
·
Uso da música e do karaokê
·
Edição de imagens
·
Edição de jornal e gibis
O
software se baseia em palavras geradoras pesquisadas em âmbito nacional. Mas dá
ao educador a possibilidade de editar novas aulas utilizando palavras geradoras
identificadas na realidade dos estudantes. Portanto, a formação prevê também,
como atividade prática complementar à formação, a preparação de aulas.
“O Saber Fazer, como gosto de chamar a Oficina de Formação, é o momento
onde a semente do Luz do Saber é plantada e em solo fértil já começa a germinar
e até hoje, dando belos frutos”.
Lauréti Mascarin,
ex-coordenadora nacional do Luz do Saber
Lauréti Mascarin,
ex-coordenadora nacional do Luz do Saber
Contatos com o Cepafre e a Recid
Durante
o Projeto houve momentos de trocas com outras instituições que desenvolvem trabalho
de educação de jovens e adultos. Dentre os contatos realizados, dois resultaram
em encontros formativos.
Palavras geradoras e ambiente alfabetizador: dicas de Maria
Madalena
Em outubro de 2012, durante o primeiro
ciclo de alfabetização, ocorreu uma formação pedagógica com a professora Maria
Madalena Torres, presidente do Cepafre e integrante do Fórum EJA-DF. Maria
Madalena relatou sua experiência com o levantamento de palavras geradoras em
comunidades, indicando os critérios e a metodologia para essa definição.
Enfatizou a necessidade de se criar um ambiente de acolhimento dos estudantes,
a importância da autoformação da equipe de educadores, bem como o monitoramento
e a avaliação constantes.
“O contato que fiz com a
professora Maria Madalena resultou em um maravilhoso encontro, onde ela nos
passou um pouco da sua experiência e um riquíssimo aprendizado a respeito do
processo de alfabetização de adultos. A partir desse encontro uma importante
parceria foi firmada entre o luz do saber em Águas Lindas e o Cepafre.”
Luana Paz,
coordenadora pedagógica da
2ª
turma do Luz do Saber em Águas Lindas
Sistematização de processos
educativos: as cartas pedagógicas
Em
abril de 2013, próximo à finalização do primeiro ciclo de alfabetização,
ocorreu um novo encontro. Desta vez com William
Silva Bonfim, assessor da Recid, vinculada à Presidência da República. Foi
uma tarde de diálogos sobre as chamadas Cartas Pedagógicas, um recurso metodológico utilizado por Paulo Freire
para relatar e sistematizar processos educativos.
Desse
encontro participaram 20 pessoas, entre amigas e amigos do Luz do Saber e
educadoras do Cepafre. Além da introdução ao tema, foi possível
exercitar na prática a criatividade das duas equipes formadas, que produziram
as cartas pedagógicas que se encontram no Anexo 1 desta publicação.
Grupo de planejamento, registro e
sistematização
O trabalho
de planejar as atividades em sala de aula nunca foi uma tarefa solitária do
alfabetizador. Sempre contou com um grupo de apoio, composto pelas pedagogas
Rafaela Fortes e Luana Paz (que coordenaram o trabalho, respectivamente, na
primeira e na segunda fases do Projeto), pela coordenadora do Luz do Saber
Nacional, Lauréti Mascarin, que se dispôs a acompanhar o processo no DF, pela
monitora da Beneficência do Núcleo Luz do Oriente, Sílvia Salim, pela
responsável pelo Projeto junto à Casa da União, Tereza Moreira, e pelos dois educadores
contratados pelo Projeto: Rodrigo Garcia e Ivete Queiróz.
Na primeira
turma, o grupo de planejamento se debruçou mais sobre questões operacionais,
administrativas e de logística do projeto (organização do espaço, problemas com
os computadores, funções da educadora social, etc.). Na segunda turma, porém
houve uma ênfase maior no planejamento das aulas e em arranjos para avaliar
melhor o processo de aprendizagem dos estudantes. Um exemplo
de planejamento das aulas pode ser visto no Anexo
2 desta publicação.
Registro das atividades
As atividades realizadas pela equipe
do Projeto foram registradas por meio de fotos, depoimentos em vídeo e relatos
escritos. O educador Rodrigo Garcia fez a maior parte dos registros. Mas outros
voluntários também produziram vídeos e outros materiais, grande parte dos quais
está disponível no blog do Projeto.
O grupo
instituiu uma lista de email para contatos frequentes. Dessa forma, o cotidiano
em sala de aula, com seus respectivos registros, bem como encontros e eventos
ocorridos, eram socializados com todas as pessoas de referência para o Projeto.
Avaliação
Na primeira
fase do Projeto a equipe percebeu que não havia realizado a avaliação inicial
dos estudantes. Por isso, no final dessa fase não possuía elementos suficientes
para saber como eles evoluíram. Havia pastas, onde estavam registrados os
trabalhos de cada um. Com isso foi possível avaliar o progresso obtido, que
ficou evidente também pelo aumento da autoestima, pela crescente desinibição e
pela capacidade de interação social que se observou no período entre a aula
inicial e a confraternização final.
Na segunda turma, a equipe optou por realizar uma avaliação
processual, que estivesse inserida no cotidiano da sala de aula de tal modo que
o aluno pudesse ser avaliado dentro do processo natural de aprendizagem,
evitando as tensões naturais dos testes e provas. Essa forma de avaliação exige
dos educadores uma regularidade nos registros dos avanços e das limitações
enfrentadas pelos alunos, além da organização de uma pasta na qual todo
material produzido pelos estudantes pudesse ser guardado, servindo de análise
também para avaliação.
Pude
contribuir neste projeto, auxiliando na coordenação pedagógica, planejando as
aulas juntamente com a equipe de voluntários, monitores diretos, sendo que, no
início, no período de implantação e organização do Projeto Luz do Saber em
Águas Lindas de Goiás, também auxiliei em visitas nas casas da comunidade
local, fazendo pré-inscrições e explicando o que era o projeto para as pessoas
que estavam sendo visitadas. Foram feitas algumas reuniões para chegarmos à
organização que tivemos para iniciar as aulas no ano de 2012, que foram
valiosas, pois estruturaram todo o processo de organização das aulas.
Rafaela Fortes,
coordenadora
pedagógica da primeira turma
do Luz do Saber em Águas Lindas
do Luz do Saber em Águas Lindas
O foco da sistematização realizada
Um dos objetivos do Projeto era
produzir reflexões sobre a prática e extrair lições capazes de dar subsídios
para novas iniciativas do Luz do Saber no Distrito Federal. Por isso, no fim
dos dois ciclos do Projeto, a equipe envolvida mais diretamente nas atividades
se debruçou sobre a experiência buscando refletir sobre ela. Partiu-se da ideia de sistematizar no
sentido de “transformar em sistema de conhecimento que produza ação”.
Como ponto de partida, as
pessoas mais envolvidas nos dois ciclos de alfabetização escreveram cartas
pedagógicas, em que focalizaram sua atenção sobre: (1) qual sua atuação no projeto;
(2) que aprendizagens colheram dessa vivência; (3) que fragilidades identificaram;
(4) que potencialidades conseguem ver na experiência; (5) o que fariam
diferente. O conjunto de cartas produzidas se encontra no blog do Luz do Saber Águas Lindas.
As cartas foram lidas
coletivamente durante um encontro inicial. Com base na diversidade de visões,
fruto dos diferentes lugares que as pessoas ocuparam no Projeto, o grupo
conseguiu chegar a três perguntas orientadoras para a sistematização:
1.
Que princípios orientaram o Projeto do Luz do
Saber em Águas Lindas e podem ser aproveitados em outras iniciativas de
alfabetização de adultos?
2. Que
ambiente de trocas pedagógicas e de relação com a comunidade local foi criado a
partir do Projeto? Que estratégias podem ser utilizadas para aprimorar este
contato?
3. Que
importância este projeto teve para o trabalho de beneficência desenvolvido pelo
CEBUDV e o que fazer para que seja mais compreendido e valorizado?
Foi, então, elaborado um cronograma de três reuniões (uma a
cada mês), nas quais o grupo se debruçou sobre cada questão. Mais do que
momentos de reflexão, os quatro encontros realizados potencializaram as
relações de amizade, em que os participantes trocaram mais do que idéias, mas
sentidos existenciais, vivenciando momentos de intimidade e compartilhando o
aconchego das casas de integrantes da equipe que ainda não tinham sido
visitadas antes.
(colocar fotos das quatro reuniões)
Aprender a
ler vai muito mais além do que juntar sílabas e palavras. Quando a leitura está
relacionada à realidade da pessoa no local em que ela vive, pode transformar a
vida de uma pessoa, melhorar a autoestima, ampliar os horizontes e desenvolver
a cidadania.
Márcio Santiago,
ex-presidente da Casa da União
ex-presidente da Casa da União
Pergunta 1: Que princípios orientaram o
Projeto do Luz do Saber em Águas Lindas e podem ser aproveitados em outras
iniciativas de alfabetização de adultos?
Em torno dessa questão, a equipe de sistematização identificou
elementos-chaves para o Projeto e que podem servir como referência para outras iniciativas
do Luz do Saber.
1. Ler e escrever com auxílio do computador: Para além das
facilidades do uso da máquina e do software, o uso do computador é uma forma de
fugir do preconceito de ser analfabeto. Para os vizinhos e amigos, as pessoas
diziam que estavam indo para a aula de informática. Além disso, quando
desmistificam a máquina, os alunos passam a lidar com o mundo virtual
(internet), um universo do qual eles se mantinham excluídos.
2. A mão
dos educadores é o fio condutor do caminho: Lidar com a máquina é importante. Mas não dispensa a necessidade de uma
pessoa com formação suficiente para mediar essa relação do estudante com a
informação. Por meio dessa mediação se descortina um novo universo para a
pessoa que inicia o seu processo de alfabetização. A relação pedagógica envolve
contato humano e, para isso, é fundamental a existência de dinâmicas iniciais
de acolhimento, rodas de conversas, piadas, capacidade de ouvir e interagir com
o outro.
3. Estabelecimento
de relações de empatia: Para ser eficaz, a alfabetização necessita resgatar
o seu caráter humanizador e emancipatório. Cada momento de encontro e
aprendizagem contribui para fortalecer as relações entre as pessoas e conduzir
a um processo de ganho de autonomia dos educandos. Essas características
tornaram as duas turmas de alfabetização muito atraentes aos estudantes. Alguns
deles, ao concluírem a primeira turma, manifestaram interesse em continuar a
estudar na segunda turma. Diversas pessoas que estudavam na EJA convencional se
mudaram para o Ninho dos Artistas, alegando que lá havia um ambiente de carinho,
aconchego e também regularidade nas aulas, já que os professores não faltavam. A criação
de um ambiente amistoso favoreceu o processo educativo.
4.
Valorização do saber do educando: O educador não é o dono
da verdade; é uma pessoa que, por meio de conhecimentos técnicos, cria o
repertório capaz de facilitar a aprendizagem. Isso se reflete na busca de
palavras geradoras adaptadas ao cotidiano dos estudantes. O fato de se considerar
o que as pessoas traziam em sua bagagem cultural gerou adaptação de algumas
aulas com base no interesse dos alunos. No software existe flexibilidade para
criar novas aulas em torno de palavras geradoras usadas no local.
5. Trabalho com base no voluntariado: O projeto
contou com a remuneração de duas pessoas, justamente aquelas que residem em
Águas Lindas e estavam diretamente ligadas ao cotidiano de sala de aula. Muitas
outras, no entanto, exerceram o seu trabalho de forma voluntária, uma
característica valorizada no CEBUDV. Explorar o potencial do voluntariado é um
trabalho de mão dupla: além de sentirem-se fazendo o bem, as pessoas que se
envolveram tiveram ganhos pessoais e profissionais. A sensação de dar o melhor
de si auxiliou a criar relações interpessoais mais ricas e fortaleceu os elos
de amizade. Ao longo de todo o processo foi possível perceber o crescimento de
um senso de equipe e de pertencimento entre os envolvidos.
6. Grupo de aprofundamento teórico: As
formações realizadas foram fundamentais para o enriquecimento do trabalho
pedagógico. A combinação entre domínio técnico e flexibilidade para se adaptar
ao que acontece cotidianamente requer experiência do educador. A disposição
para a pesquisa e para o envolvimento com instituições como a Universidade de
Brasília e a Universidade Brasil Central é de suma importância. O projeto Luz
do Saber pode ser o celeiro para a formação de profissionais de Pedagogia
socialmente engajados e mais capacitados tecnicamente por meio de estágios nos
laboratórios criados. As negociações com essas instituições podem avançar considerando-se
futuros processos de alfabetização.
7. Parceria entre diversas instituições: A
iniciativa não seria possível sem o conhecimento no software disponível na Casa
da União; a força do voluntariado do Núcleo Luz do Oriente; o espaço físico, a
infraestrutura e o pertencimento à comunidade de Águas Lindas como legados do
Ninho dos Artistas; e o fluxo de recursos financeiros favorecido pelos
patrocínios. Cada parceiro com sua particularidade. Algumas questões que
surgiram ao longo do processo merecem destaque: a necessidade de negociações e
exercício de tolerância mútua entre as entidades para a consecução dos
objetivos; a necessidade de explicitar que embora seja um ato político, a
alfabetização não estava vinculada a nenhum projeto político-partidário e não
tinha a intenção de converter os alunos à crença espiritualista, em especial
porque a maioria deles era evangélica. Houve sempre um cuidado por parte dos
educadores em não fazer apologia religiosa e manter discrição quanto à origem
das pessoas voluntárias. A interação entre as instituições envolvidas se deu
com tranquilidade, demonstrando que essa parece ser uma tendência para futuras
iniciativas de implantação dos laboratórios do Luz do Saber.
Para alfabetizar é preciso paciência,
dedicação e continuidade. O programa Luz do Saber facilita o trabalho,
pois ele vem pronto, com todas as aulas necessárias para ler e escrever, as
atividades no computador e no lápis e papel. Tudo pronto. Mas,
sem perseverança não se chega à vitória. A mão do professor é o fio condutor
do caminho.
Lauréti Mascarin,
ex-coordenadora nacional do Luz do Saber
ex-coordenadora nacional do Luz do Saber
Pergunta 2. Que ambiente de trocas
pedagógicas e de relação com a comunidade local foi criado a partir do Projeto?
Que estratégias podem ser utilizadas para aprimorar este contato?
A equipe de sistematização examinou as
trocas pedagógicas realizadas entre educadores/educandos, entre os próprios
educandos e entre os educadores. O objetivo foi identificar fragilidades e
potencialidades que essas relações tiveram no desenvolvimento do Projeto. A
contribuição do Luz do Saber para a comunidade também foi objeto dessa
reflexão.
Os dois
ciclos do Luz do Saber em Águas Lindas tiveram características diferenciadas.
No primeiro ciclo, os planejamentos realizados enfatizaram a solução de
problemas surgidos na infraestrutura e na administração de pessoal. As
deficiências de planejamento pedagógico, no entanto, foram contornadas pela
existência de uma equipe de voluntários muito maior e pela criatividade e busca
de referências teóricas e práticas que transcenderam em muito o conteúdo do
manual do Luz do Saber.
No segundo
ciclo, com a experiência administrativa adquirida, a equipe teve mais tempo
para debruçar-se sobre o planejamento pedagógico. O número de voluntários
diminuiu, mas os educadores que prosseguiram puderam explorar melhor os
recursos já existentes no software, aprofundando o conhecimento de como
manuseá-lo. Além disso, desenvolveram e utilizaram mais mecanismos de
avaliação, embora não tenham conseguido a constância no registro das atividades
originalmente previsto.
Desafios e
potencialidades identificados
Durante a
reflexão da equipe de sistematização, os fatores que causaram limitações ao
processo pedagógico e as consequentes fragilidades presentes em cada ciclo não
foram consideradas necessariamente problemas, mas possibilidades de
aprendizagem e superação. Dentre os aspectos que mais se destacaram podem-se
citar:
Infraestrutura do local – O ambiente
foi remodelado e aprimorado ao longo do tempo para receber os estudantes.
Porém, no primeiro momento houve dificuldades com:
·
funcionamento
dos computadores – Na primeira turma, o ambiente alfabetizador não era
usado exclusivamente pelos alunos do Projeto. Havia outros usuários durante o
dia, em geral jovens. Como as máquinas eram, em sua maioria, de segunda mão, quebravam
facilmente e exigiam manutenção constante. Isso nem sempre ocorria com a
frequência necessária. Em pouco tempo, os fones de ouvido, comprados para
facilitar a interação individual entre aluno e máquina, começaram a estragar. A
solução encontrada foi conseguir novos fones de ouvido e encarregar um aluno
por noite de recolher e guardar os fones no armário usado pelo Projeto.
·
posição
das máquinas – um dos educadores apontou a disposição inadequada das máquinas,
que foram instaladas ao longo das paredes, como um fator limitante. Num próximo
ciclo é importante rever a forma de organização espacial dos computadores, para
que eles fiquem de frente para o quadro ou para o datashow, facilitando as orientações
do professor.
·
instabilidade
da internet (via rádio) – Esse fator dificultou o acesso ao software Luz do
Saber. Uma solução foi instalar o programa em cada máquina. Mas nem sempre as
máquinas suportavam o programa. Tal situação constituiu uma limitação na
primeira e na segunda turma.
·
sistema
centralizado de iluminação do local – A iluminação centralizada para todo o
salão dificultava o uso de datashow para exibir filmes e outros tipos de
apresentações.
·
instabilidade
da rede elétrica – Como os dois ciclos tiveram início em agosto, as aulas
ocorreram no período mais chuvoso. Chuvas frequentes causam instabilidade na
rede elétrica, causando interrupções nas aulas. Mas vale registrar que estas
começavam pontualmente, com ou sem chuva.
Evasão inicial – Nos dois ciclos houve
evasão inicial significativa. As pessoas se matriculavam, mas não compareciam nem
mesmo na aula inaugural. No primeiro ciclo, das 26 pessoas que se matricularam
apenas 21 começaram a frequentar regularmente. No segundo ciclo, 22 alunos se matricularam
e de imediato 4 não compareceram.
A evasão foi
justificada por alguns devido ao horário de volta do trabalho, ao cansaço
físico (força de trabalho – diarista, pedreiro, vidraceiro), problemas de
saúde, relação com comunidade religiosa (prioridade para os cultos),
alcoolismo, mudança de moradia.
Visando criar
um ambiente convidativo e evitar mais evasão foram usadas diversas estratégias
pedagógicas. Um estudante que teve um dia ruim necessita um tempo para se
integrar ao ambiente da aula. As rodas de conversa, contação de piadas, jogos e
outras atividades lúdicas foram realizadas com o intuito de facilitar esse
desligamento dos problemas cotidianos e sintonizar a frequência da aula na
mente e na emoção dos estudantes.
Presença de crianças nas aulas – Este
foi um desafio maior durante a primeira turma. Havia três casais que levavam as
crianças para as aulas, pois não tinham com quem deixá-las. A presença das
crianças dispersava a atenção do grupo, devido às brincadeiras e até mesmo ao
fato de tomarem o lugar dos adultos diante do computador. Algumas delas, na
intenção de auxiliarem seus pais, às vezes realizavam as atividades por eles e
não com eles.
A equipe de
educadores examinou a situação, considerando a possibilidade de desenvolverem atividades
do Luz do Saber Infantil para que as crianças também pudessem estudar. Mas logo
ficou claro que isso caracterizava um desvio de função para os educadores. Por
fim, decidiu-se que no segundo ciclo haveria a exigência de que os estudantes
deixassem as crianças em casa. Embora isso nem sempre acontecesse, o problema
ficou menor no decorrer da segunda turma.
Diferentes idades e níveis de aprendizagem –
Esses dois fatores combinados representaram um desafio para a equipe de
educadores, que desenvolveram visões distintas sobre a forma de lidar com
estudantes com idades muito diferentes – de 18 a 68 anos. Nos dois ciclos havia
pessoas em diversos estágios de desenvolvimento: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético
e alfabético.
Havia a
tendência inicial de dividir a turma em dois subgrupos, de acordo com o nível
de progresso de cada aluno. Essa estratégia foi substituída, mais tarde, pelo
encorajamento de se ter alunos mais adiantados interagindo com os de menor
desempenho. Os educadores davam tarefas de casa para os mais idosos como
estratégia para que memorizassem o que realizaram em aula. A formação de
palavras era um exercício realizado com todos juntos, para dar oportunidade dos
mais adiantados ensinarem aqueles que tinham desempenho inferior. A correção
coletiva dos ditados, realizada no quadro, também era muito apreciada pelos
alunos.
Essa forma de
aprendizagem colaborativa foi adotada e serviu como mecanismo de maior
aproximação e criação de laços de amizade entre os estudantes. Constatou-se, ao
longo do processo, que as trocas entre os alunos facilitam essa percepção de
que estavam aprendendo. O ambiente pedagógico gerado criou este clima.
Interferência do regionalismo na fala e na
escrita – A forma como os estudantes aprenderam a falar era a forma como
queriam escrever. Havia influência regional na dificuldade de se adaptarem à
norma culta da escrita. A vinda para Brasília mostrou a eles que estavam
falando “errado” e que possuíam deficiência na percepção dos sons. Desde cedo
ficou claro para a equipe de educadores que era importante compreender as
etapas de desenvolvimento dos estudantes, respeitar e valorizar o seu saber,
mas oferecer opções da chamada “norma culta”, para que eles pudessem adentrar
os espaços formais da educação. Afinal, preparar os estudantes para darem
continuidade aos estudos era um dos objetivos do Projeto.
Identificou-se
a necessidade de atividades de apoio para que os alunos se apropriassem da
norma culta na fala e na escrita. A audição do som das vogais e das consoantes
no computador, bem como as atividades individuais com o alfabeto móvel auxiliaram
os alunos a perceberem as distinções entre a fala coloquial e a escrita.
Ambiente metodológico – O fato de não
se ter carteiras, com os alunos atuando em círculos em torno da mesa alfabetizadora, criou um
ambiente estimulante. Nas paredes havia murais, letras, números, palavras e
frases. O acesso fácil a revistas e livros despertou o interesse em ler.
Educadores e educandos no mesmo bairro
– O fato de professores e estudantes se encontrarem na rua e se reconhecerem
como pessoas que vivem a mesma realidade facilitou o processo pedagógico,
sobretudo no segundo ciclo. Em um ambiente comunitário marcado por desafios, os
professores são confidentes dos problemas. Precisam ter abertura e
disponibilidade para ouvir. Cada aluno traz sua bagagem para a sala de aula. O
educador precisa cumprir as metas de alfabetização, mas também estabelecer um
clima de proximidade e motivação.
Em especial,
a educadora social desenvolveu proximidade, relacionando-se com os estudantes
em seu cotidiano. Nas turmas observou-se a criação de laços de amizade que
ultrapassaram o ambiente de sala de aula. Alguns deles passaram a se visitar e
a vir juntos para as aulas.
Relação de confiança entre o
educador/educando – O fato de se ter dois educadores fixos no Projeto
possibilitou um ambiente de continuidade, sem as ausências frequentes de
professores que os alunos relataram em relação à EJA. Nessa relação entram
também outros ingredientes que precisam ficar claros na seleção e na formação
dos educadores. O conhecimento técnico é muito importante, mas não basta. É
necessário que os educadores tenham, além de boa formação profissional,
qualidades como cordialidade, real interesse pela aprendizagem dos alunos,
empatia e amizade.
Ênfase no planejamento participativo –
A dinâmica adotada no Projeto mostrou a diferença entre um planejamento
desenvolvido pelo educador de forma isolada e com base apenas no que contém o
Manual do Luz do Saber e a riqueza do trabalho coletivo. Os processos se tornaram
mais ricos, com abordagens mais diversificadas e criativas. Isso gerou um
ambiente de formação profissional permanente, criando oportunidades de trabalho
para os sócios da CEBUDV que se engajaram no processo.
Equilíbrio entre o planejado e o imprevisto
– O curso de formação de educadores auxilia (estrada), mas é preciso capacidade
para improvisar (veredas). Os educadores que vão chegando demoram um pouco pra
começar a entender o que fazer nas aulas. O que se planeja nem sempre funciona
na hora da aula, diante de situações imprevistas que surgem, como a queda de
energia, perda de algum exercício no computador devido a problemas com a
internet, entre outras. É preciso usar os recursos que estão disponíveis na
hora, tendo como foco o que foi planejado originalmente, mas adaptando-se ao
momento.
Necessidade de reforço no registro e na avaliação
de desempenho dos estudantes – Embora o registro das atividades e a
avaliação de desempenho dos estudantes tenham melhorado da primeira para a
segunda turma, ainda não conseguiram ser eficientes. A equipe de planejamento definiu
que no final de cada turma seria aplicada uma avaliação estilo teste para que
os alunos se familiarizassem com essa forma de avaliação, preparando-os para a
possibilidade de continuarem seus estudos na rede oficial de ensino. Isso não
aconteceu.
A equipe
identificou a necessidade de uma presença mais constante da coordenação pedagógica
no estabelecimento e no acompanhamento de rotinas.
Inserção nos cursos regulares de EJA –
Embora a equipe tivesse como meta inserir os alunos que concluíram os dois
ciclos de alfabetização na escolarização formal, ocorreu exatamente o inverso.
Os alunos de EJA começaram a frequentar as aulas do Luz do Saber. Isso ocorreu
devido a dois fatores: a proximidade espacial entre moradia e local das aulas e
também o ambiente acolhedor, regular e dinâmico que foi criado no Ninho dos
Artistas. Ficou clara a fragilidade do serviço público prestado na região em
relação à continuidade dos estudos por meio da rede pública de educação.
Durante o semestre realizamos vários encontros
e a forma do trabalho foi crescendo aos poucos. Conseguimos construir
minimamente uma rotina com momentos pra descontração e introdução a cada
assunto, momentos no computador e fixação das aulas nas mesas e lousa.
Estabelecemos uma avaliação processual que se valeu dos registros, feitos pelos
educadores, das atividades e dos avanços dos educandos.
Luana Paz,
coordenadora pedagógica da segunda turma
do Luz do Saber em Águas Lindas
coordenadora pedagógica da segunda turma
do Luz do Saber em Águas Lindas
Pergunta 3: Que
importância este processo tem para a beneficência desenvolvida pelo Centro
Espírita Beneficente União do Vegetal e o que fazer para que seja mais
compreendido e valorizado?
A equipe de
sistematização examinou o Projeto sob o ângulo da beneficência externa ao Centro
e sob o enfoque da criação de capacidade entre os sócios para atuar na
alfabetização de jovens e adultos.
Beneficência
externa
A beneficência é inerente ao trabalho
da União do Vegetal. Está expressa, inclusive, no nome da entidade. A sua
própria atuação vincula-se ao bem que faz aos seus discípulos, mas também à
ação de favorecer comunidades e pessoas carentes, por meio das entidades que
constituem os seus braços sociais, presentes em diversas cidades
brasileiras.
O Projeto Luz do Saber e o Dia do Bem[4] foram
os projetos de maior relevância voltados ao público externo, desenvolvidos pela
Casa da União - Brasília durante o triênio 2012-2015.
O Dia do Bem se caracteriza como ação
de âmbito nacional e, embora possua expressivo número de atendimentos, trata-se
de um evento realizado uma vez a cada ano, como o próprio nome indica. Não se
trata de uma ação continuada. Tem sua importância, principalmente porque coloca
à disposição da coletividade os talentos existentes no âmbito do Centro por
meio de seus sócios (dentistas, advogados, psicólogos, fisioterapeutas, massagistas,
entre outros).
O Projeto Luz do Saber tem uma atuação
mais sistemática. Embora voltado a um número limitado de pessoas, realiza-se
com o objetivo de mudar a realidade destas de forma mais permanente. Ali os
estudantes iniciam novas relações sociais, desenvolvem-se na leitura e na
escrita e aprendem a ver o mundo com novos olhos.
No caso de Águas Lindas de Goiás, as
duas iniciativas foram complementares. A realização de diversas ações do Dia do
Bem no Ninho dos Artistas gerou credibilidade da Casa da União na comunidade
local. Isso fortaleceu a entidade para um trabalho mais continuado.
A produção coletiva de conhecimento,
que ocorreu nas duas turmas do Luz do Saber, qualificou o trabalho de
beneficência realizado pelo Centro. Marcou uma mudança de perspectiva – do
assistencialismo (dar o peixe) para a conquista de maior autonomia das pessoas
que se alfabetizam (ensinar a pescar). Isso ocorreu tanto em sala de aula
quanto nos encaminhamentos de alguns alunos à assistência social, realizados
pela educadora social.
A possibilidade de procurar atendimento
médico, conhecer os seus direitos também educa e melhora a qualidade de vida das
pessoas. Algo que se aprende e não se esquece mais. Os servidores públicos,
especialmente em cidades como Águas Lindas, não estão suficientemente
capacitados para prestar um bom atendimento à população. Se a clientela conhece
seus direitos, há maior possibilidade de comunicação e de maior sucesso no
atendimento às suas demandas.
Outro aspecto considerado relevante
pela equipe de sistematização foi a preocupação em não explicitar o vínculo
entre o trabalho realizado pelo Projeto e um Centro Espírita. Isso ocorreu
devido à predominância de evangélicos entre os estudantes. Mas com o tempo tornou-se
claro que, ao humanizar as relações, o Projeto diluiu barreiras em relação à
procedência dos professores como sócios de um centro espírita.
Ao se relacionar com a Prefeitura e as
políticas públicas locais de assistência social, a Casa da União estabeleceu
relações marcadas pelo reconhecimento do CEBUDV e do trabalho que realizamos
pela sociedade mais ampla.
A lição que aprendi é com certeza que tem
pessoas que sabem menos do que eu e pessoas que sabem mais e que eu posso
ensinar o pouco do que sei e aprender o que ainda não sei.
Maria
Ivete Queiróz,
educadora social do Projeto
educadora social do Projeto
Beneficência
interna
O Projeto foi considerado exitoso,
principalmente pela oportunidade que representou para os próprios sócios do
CEBUDV. Recuperou em alguns de nós o encantamento de “fazer o bem sem olhar a
quem”. Uma forma de retribuir o bem que recebemos dentro da União do Vegetal.
Alfabetização é uma atividade
continuada, trabalhosa, que demanda compromisso, disciplina e busca de
aprimoramento constante. Nesse sentido, uma iniciativa como o Luz do Saber
requer o desenvolvimento de uma cultura que estimule os sócios a assumirem
compromisso pela sua transformação interna e a vontade de partilhar suas
conquistas interiores com os demais.
Do ponto de vista prático, esse tipo
de iniciativa representa a possibilidade de profissionalização de diversas
pessoas, sobretudo jovens, que trabalham na área da educação. Caso a proposta
de desenvolver o Luz do receba a devida prioridade no âmbito do Centro, abre-se
para essas pessoas uma clara oportunidade de trabalho, que pode ser remunerado
e que apresenta claras perspectivas de crescimento profissional.
Outro aspecto a ser ressaltado é que a
alfabetização de adultos, como ação beneficente de caráter continuado, contribui
com a manutenção do título de utilidade pública do CEBUDV. Nos núcleos, esse
trabalho é realizado pelo Departamento de Beneficência, cujo coordenador
responde pela monitoria da Casa da União, que por sua vez integra a
Beneficência do Centro. Devido à sua personalidade jurídica, a Casa da União
pode responder institucionalmente pelo Luz do Saber, o que implica receber e
repassar recursos vinculados ao Projeto.
O desenvolvimento de maior entendimento
sobre a função da beneficência dentro do CEBUDV com certeza contribuirá para
que iniciativas como o Luz do Saber ganhem mais espaço. São comuns os
questionamentos: o trabalho de beneficência deve ser pra dentro ou pra fora? De
dentro pra fora, de fora pra dentro, o Luz do Saber, com o devido apoio e acompanhamento
da direção da UDV pode se converter em um bom instrumento de beneficência. Tanto
em termos do aprimoramento pessoal, profissional e espiritual de seus sócios
quanto em termos do crescimento da respeitabilidade do Centro perante a
sociedade mais ampla. Consideramos que, fazendo beneficência pra fora, estamos
beneficiando o nosso interior também: tanto o interior de cada pessoa
envolvida, quanto o interior de cada núcleo da União do Vegetal.
Edison Saraiva Neves,
dirigente do Centro Espírita União do Vegetal
Conclusão. Conclusão?
A ação
comunitária é sempre rica de aprendizados. Acreditamos que a vida partilhada,
dividida e multiplicada pelo interesse no “bem do outro” tem um poder superior.
Os voluntários que se irmanaram pra realizar o que hoje chamamos “Luz do Saber
em Águas Lindas”, cresceram e desenvolveram importantes habilidades, que
certamente farão diferença na história de suas vidas. E fizeram e fazem
diferença na vida de todos os estudantes que passaram pelas atividades. E fizeram
e farão diferença na história do bairro Guaíra. A maior lição, em trabalhos de
inclusão e compartilhamento, é darmos as mãos e fluirmos na Ciranda da
Prosperidade, Justiça, Igualdade, Partilha e Beleza.
A experiência realizada em Águas Lindas
deixou claro que o foco do trabalho deve ser o conhecimento da metodologia do
Luz do Saber. Cabe à Casa da União formar os formadores, deixando para
possíveis parceiros a montagem da estrutura física, a remuneração e a
administração dos envolvidos. Dessa forma, será possível não apenas dar escala
às experiências do Luz do Saber, como criar um grupo de educadores com formação
adequada e capazes de se profissionalizarem no trabalho de formar formadores,
transmitir o prazer de ensinar e aprender, bem como os princípios e valores
emanados do CEBUDV para este trabalho.
Considerando
a mudança de gestão na Casa da União a partir de 2015, registramos nesta publicação
os principais resultados deste processo e recomendamos a continuidade da implementação
do Luz do Saber no Distrito Federal devido os fatores a seguir.
Recomendações para a continuidade
1.
Durante a sua implementação, o Projeto foi
amplamente divulgado na região, em especial devido aos boletins informativos
produzidos pelo Ninho dos Artistas com apoio da Petrobrás. A iniciativa chamou
atenção dos gestores municipais de educação de Águas Lindas. Entendimentos
entre o Ninho dos Artistas e a Secretaria Estadual de Educação sinalizaram a
possibilidade de se continuar as atividades com a remuneração de uma professora
da Rede Pública de Educação para realizar o trabalho de alfabetização. Isso exigirá
a formação tanto da professora quanto de um grupo de apoio, o que significa
demanda de trabalho para a Casa da União.
2.
Da mesma forma, a Universidade Brasil Central,
que possui um curso de Pedagogia em Águas Lindas, demonstrou interesse em
formar seus estudantes na metodologia do Luz do Saber. A presença de
estagiários para desenvolver as atividades de apoio do processo de
alfabetização também constitui uma possibilidade concreta de continuidade. Só
depende de contatos e negociações da Casa da União tanto com a Prefeitura
quanto com a universidade.
3.
Consideramos que a presença de uma educadora
social no Projeto continua a ser um diferencial positivo e que deve ser mantido,
como forma de inserir os educandos na difícil aprendizagem de conquista de seus
direitos sociais. A Casa da União - Brasília, com os recursos que ainda possui
para financiar a iniciativa, poderá se encarregar da remuneração desta pessoa.
4.
Diante das condições existentes convém à Casa
da União - Brasília e ao Ninho dos Artistas reavaliarem as possibilidades de
manterem a parceria, já que as condições objetivas para a continuidade do
Projeto existem. O ambiente alfabetizador permanece e existe demanda de
estudantes para a realização de mais uma turma.
5.
As escolhas realizadas durante as duas turmas
do Luz do Saber reforçam o papel assumido pela Casa da União como orientadora
do processo pedagógico. Nesse sentido, a presença de uma coordenadora
pedagógica será essencial. Essa profissional, a ser devidamente remunerada, poderá
exercer a formação de educadores, o planejamento e o acompanhamento das
atividades pedagógicas realizadas, de forma a assegurar o registro das
atividades e a avaliação dos estudantes como um processo permanente que
retroalimenta a prática.
6.
Um dos pontos falhos do Projeto de Águas
Lindas foi não ter preparado os estudantes para fazerem os exames de
equivalência para tornarem aptos a frequentarem os cursos regulares de EJA. Um
trabalho de coordenação pedagógica poderá sanar esta falha, possibilitando
articulações com a rede pública de educação no sentido de se incentivar a
continuidade dos estudos nas escolas da região.
7.
Considerando o potencial que o Projeto tem de
ser assumido por outras instituições – associações tais como o Ninho dos
Artistas – em diferentes pontos do Distrito Federal, uma coordenação pedagógica
vinculada à Casa da União teria como missão adicional reunir um grupo de
educadoras e educadores voluntários, capazes de apoiar as ações e se
constituírem como um banco de talentos disponíveis a se tornarem educadores credenciados
pelo Projeto. Esse grupo – que pode se constituir de jovens do CEBUDV – terá chance
de se inserir no mercado de trabalho ao mesmo tempo em que apoia o processo
alfabetizador desencadeado. Trata-se de um potencial para qualificar a EJA no Distrito
Federal, em especial considerando-se os acúmulos obtidos nessa experiência
piloto sobre a importância de formação técnica aliada a valores como o respeito,
a dedicação e o acolhimento do universo dos educandos.
8.
A experiência de utilizar os talentos
individuais em aulas especiais mostrou-se instigante. Por isso, a equipe de
sistematização recomenda a continuidade dessa iniciativa em futuros laboratórios
do Luz do Saber. É necessário, porém, que se crie uma agenda de aulas
especiais, de forma que os temas desenvolvidos sejam explorados em outras aulas
e se constituam como pontos para uma abordagem interdisciplinar.
9.
Por último, mas não menos importante, uma
indicação para a Casa da União, considerando um trabalho de amplitude nacional,
é buscar parcerias e formas de desenvolver os três módulos restantes do
software Luz do Saber. Convém que os módulos adicionais incluam atividades
específicas de Matemática, sobretudo as quatro operações e os conhecimentos
necessários sobre unidades de medida, essenciais ao cotidiano dos alunos.
Pra finalizar, reafirmamos a ideia original dessa sistematização, que foi
mostrar o que nos impulsionou a realizar o Projeto, apresentando os caminhos
que trilhamos e que podem servir de incentivo pra quem quiser realizar projetos
similares. Esperamos ter contribuído para incentivar as pessoas e grupos a
realizarem ações beneficentes de caráter permanente e transformador, como forma
de valorizar todo o esforço de fazer o bem, numa perspectiva de contribuir para
um mundo melhor e para o bem da gente mesmo.
“Dentre as prioridades na área financeira que necessitam de atenção
cito a captação de recursos, a busca de novos patrocinadores e o fortalecimento
dos parceiros como metas a serem alcançadas.”
William Vaz,
tesoureiro da Casa da União
William Vaz,
tesoureiro da Casa da União
“O Projeto Luz do Saber mostrou pra mim que
nunca é tarde pra aprender, os exemplos daquelas senhoras e senhores que não
sabiam ler, escrever, e mesmo com o cansaço da idade avançada, da lida diária
do trabalho de seus sustentos, acharam força pra participarem do Projeto, dar
contribuição pra ensinarem pra mim, educador, o valor da perseverança, da
transformação do olhar e da busca da memória, mostraram que já sabiam ler, não
a leitura das letras, mas a leitura da vida, que já sabiam construir casas,
fazer artesanato, cuidar de seus filhos, organizar a festa da igreja, fazer
bolos e biscoitos e agora, ler e escrever”.
Rodrigo Garcia,
Educador do Luz do Saber
Educador do Luz do Saber
Juntos, podemos muitas coisas, importantes e
duradouras.
Chico Nogueira,
educador voluntário
Chico Nogueira,
educador voluntário
Anexo 1. Cartas pedagógicas produzidas durante a formação
Grupo 1:
Águas Lindas – 14 de
abril de 2013
Caro William,
Nessa tarde de
domingo ensolarada, em plena lua nova, no Ninho dos Artistas nos reunimos para
entender melhor o valor das cartas pedagógicas, com intenção de unir os nossos
pensamentos e as nossas experiências, no sentido de encontrarmos novos caminhos
para sistematizar a prática das vivências da educação popular.
Por que tudo
isso? Na tentativa de encontrar um novo olhar e fugirmos dos tradicionais
relatórios frios e formais, para procurar aproximar da realidade da nossa
prática freireana com mais amorosidade, leveza e descontração, estamos aqui
para aprender como se escreve uma carta pedagógica, refletindo os sentimentos
de quem faz.
Encontrando
sentido para deixar outras atividades, e estar aqui por um motivo maior, o amor
pela humanização da educação, descobrindo novas formas de registrar o nosso
fazer pedagógico. Finalmente nossa gratidão a você, William, por nos
proporcionar um encontro tão produtivo.
Abraceijos,
Educadores:
Carla Trazzi,
Aldineia Oliveira, Laureti Mascarin, Rosane Veiga Lopes, Madalena Torres,
Gilberto Nascimento, Ivete Queiroz, Kelly Grigôrio, Marilda Medeiros
Grupo 2:
O que se faz numa tarde de domingo?
Dormir no sofá, passear com a família, visitar os amigos e parentes, receber
visitas e fazer café... Hoje foi um domingo diferente. Viemos ao Ninho dos
Artistas, em Águas Lindas de Goiás, para compartilhar e receber conhecimentos,
experiências sobre educação.
Fizemos percursos diferentes, alguns mais
longínquos, outros mais próximos. Com um sol que há tempo não víamos, cruzamos
uma ponte, debaixo dela passa água e nessas águas lindas tem um sonho. O sonho
da transformação, da descoberta, da autonomia, da liberdade, por meio da
alfabetização de jovens e adultos.
Nesse lugar encontramos o William, da
Recid, o pessoal do Cepafre, o pessoal do Ninhos dos Artistas e da Casa da
União. Aqui tem um elefante colorido, um Dom Quixote e Sancho Pança, um castelo
encantado e uma meninada alegre e feliz.
É uma tarde de diálogos, que se iniciou
com uma roda de apresentação. Cada pessoa entoando as vogais do seu próprio
nome, nos fez reviver as nossas raízes culturais e a força que tem um coletivo
atuante.
O baú se abriu e neste mês de abril
começamos a entender a magia das cartas pedagógicas. Viajamos das cartas
pessoais, com seus sentimentos, estórias de vida, de amor, de cumplicidades, de
intrigas, para compreendermos a intencionalidade pedagógica com que elas também
podem ser escritas.
As cartas trazem um contexto histórico.
Na voz dos e das participantes pudemos viajar no tempo - indo de São Paulo, em
sua carta aos coríntios, aos educadores de Goiânia, passando pelo sofrimento,
esperança e fortaleza de Olga Benário ao relatar sua resistência ao nazismo numa
carta de despedida ao marido e à filha recém nascida.
As cartas nos remetem a Paulo Freire e às
suas múltiplas pedagogias, que são apropriadas e reinventadas por muita gente
que acredita na transformação social e na libertação dos seres humanos. Isabela
Camini sistematiza a experiência das cartas pedagógicas como uma forma de
recriarmos nossas próprias experiências como educadores e educadoras.
E na boca da noite, que se aproxima, um
feixe de luz invade a sala, iluminando nossos corações, renovando nossas
esperanças, trazendo energia e fortalecendo o nosso ânimo em prosseguir nesta
caminhada. Sofá, TV, Faustão? O sonho é muito mais interessante do que tudo
isso. E, além do sonho, o compartilhar, o vivenciar o que aprendemos neste
exercício de troca de saberes, que inclui a elaboração desta carta pedagógica.
Águas Lindas de Goiás, 14 de abril de
2013
Francisca Siqueira, Shirleane Borges,
Vânia Nascimento, Maria do Socorro Jesus, Rafaela Fortes, Tereza Moreira,
Rodrigo Garcia, Sílvia Salim, Margarida Souza
Anexo 2. Planejamento
das aulas - 1a. quinzena do curso
DATA
|
ATIVIDADE
|
RECURSOS
NECESSÁRIOS
|
RESPONSÁVEL
|
09/08/2013
|
Aula inaugural:
|
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Apresentação do Luz do Saber
|
Vídeo institucional e projetor
|
Rodrigo / Tereza
|
|
Apresentação dos alunos
|
Dinâmica
|
Ivete
|
|
Lanche festivo
|
Alimentos - pedir doações
|
Tereza/Ivete/Rodrigo
|
|
1a. semana
|
|||
Segunda, 12/08
|
Exibição de vídeo: Vida Maria
|
Vídeo, projetor
|
Rodrigo
|
Roda de conversa: debate sobre ideias principais do filme,
com aprofundamento da apresentação dos alunos. Puxar expectativas do porque
realizar este curso
|
Rodrigo e Ivete
|
||
Desenho coletivo
|
Papel kraft, tintas, canetas e lápis de cor, tesouras
|
Rodrigo e Ivete
|
|
Concluir aula com nova roda de conversa sobre a produção
coletiva dos desenhos
|
Rodrigo e Ivete
|
||
Terça, 13/08
|
Acolhimento inicial: roda do sonho - pedir para alguém
contar o sonho que teve
|
Rodrigo e/ou Ivete
|
|
Apresentação do computador: ensinar a ligar a máquina,
seus componentes.
|
Máquinas em funcionamento
|
Paulinho e cia.
|
|
Exibição de vídeo sobre o computador
|
Vídeo será no próprio computador ou no datashow?
|
||
Cadastro do aluno no computador e preenchimento de ficha
no papel
|
Ficha de matrícula
|
||
Quarta,
14/08
|
Dinâmica de acolhimento: saco de histórias
|
Um saco e objetos diversos
|
|
Círculo de cultura: avaliação inicial – conversar sobre
história escolar dos alunos. O que aprenderam na escola? Escrever no papel o
que eles já sabem fazer? Mostrar cartões de letras, apresentar palavras
simples e ir aumentando a complexidade dependendo do que as pessoas mostrarem
que sabem.
|
Letras e números em cartolinas – preparar
Preparar enquete no Google docs
|
(pedir pra Mariana)
Duas pessoas aplicam e duas registram
|
|
Quinta, 15/08
|
Dinâmica de acolhimento: telefone sem fio
|
||
Círculo de cultura: avaliação inicial – conversar sobre
história escolar dos alunos. O que aprenderam na escola? Escrever no papel o
que eles já sabem fazer. Mostrar cartões de letras, apresentar palavras
simples e ir aumentando a complexidade dependendo do que as pessoas mostrarem
que sabem.
|
Letras e números em cartolinas – preparar
Preparar enquete no Google docs
|
(pedir pra Mariana)
Duas pessoas aplicam e duas registram
|
|
Exercícios com o Paint – arrastar e clicar com o mouse
|
|||
Rodrigo faz o registro das impressões durante esta semana
|
|||
2a. semana
|
|||
Segunda, 19/08
|
Dinâmica de acolhimento: jogo dos agrupamentos (chinelo/sapato,
cor de roupa, time etc.)
|
||
Início da elaboração do crachá: identificação de cada nome
em EVA, busca das letras em revistas.
|
Barbante, cartolinas, cola, revistas, tesouras
|
Levantamento dos materiais que existem - Rodrigo/Ivete
|
|
Terça, 20/08
|
Acolhimento: Alunos fazem a identificação do seu respectivo
crachá para usar durante a aula e dizem, com uma palavra, como foi seu dia.
|
||
G1: Construção do ambiente alfabetizador com as palavras:
mesa, janela, lixo, porta, quadro, teto, parede, livro, estante, mural (5
palavras para cada grupo): identificar nomes, compor em EVA e pedir que façam
o exercício em duplas de fazer o crachá de cada objeto.
|
Gravador (DMD - Luz do Oriente)
|
||
G2: Computador - exercícios do módulo "Começar"
|
|||
Quarta, 21/08
|
Acolhimento: roda de contação de sonhos
|
||
G1: Menu "Começar" do computador
|
|||
G1: roda de conversa para levantamento das palavras
geradoras: a) o que você mais gosta na sua cidade? b) o
que você não gosta em sua cidade? c) se pudesse mudar algo em sua cidade, o
que mudaria?
|
|||
Acolhimento: dinâmica que Rodrigo e Ivete preferirem
|
|||
Menu "Começar" do computador
|
|||
Quinta, 22/08
|
Acolhimento: dinâmica que Rodrigo e Ivete preferirem
|
||
G1: Menu "Começar" do computador
|
|||
G2: Desenho Miró
|
|||
Momento coletivo: texto sobre Vida e roda para ver o que
as pessoas entenderam deste texto.
|
Texto de Patativa do Assaré
|
Luana
|
|
Ivete faz o registro das impressões durante esta semana
|
Acordos iniciais com os alunos:
·
Não haverá mais
lanchinho.
·
Não será possível
levar criança pra aula.
·
Haverá chamada no
fim de cada aula.
·
Teremos um total
de 75 aulas. O aluno que tiver mais de 15 faltas não poderá receber
certificado.
·
Haverá avaliações
mensais, a serem preparadas pela equipe de planejamento pedagógico.
Para os monitores:
·
Preparar o mural
de aniversariantes e de notícias culturais.
·
Fazer diariamente
o registro das impressões sobre as aulas. Os dois monitores se revezarão nesta
tarefa a cada semana.
·
Precisamos pensar
nas aulas de matemática e preparar os materiais necessários para isso.
Integrantes das equipes
União do Vegetal
Coordenação do
Departamento Nacional de Beneficência
Márcio Verbinski
Coordenação Nacional
do Luz do Saber
Lauréti Lopes Mascarin
Casa da União
Pessoas diretamente
relacionadas com este trabalho:
·
Angela Martins, Carlos Eduardo Cabral, Carla Franco,
Tereza Moreira (entre 2009 – 2011)
·
Márcio Santiago, Tereza Moreira e William Vaz
(entre 2012-2014)
Núcleo Luz do Oriente
José Araújo, João Marcelo Fernandes (entre 2009 – 2011)
Everaldo Azevedo e Sílvia Salim (entre 2012-2014)
Pessoas que se engajaram nas diversas fases:
Aldinéia Oliveira, Auricélio Timbó, Bruno Prieto, Clara Daré,
Cláudia Fernandes, Ednaldo Azevedo, Erika Cortêz, Fábio Queiroz, Francisco
Sérgio Nogueira, Izabel Alves, Jamila Terra, João Roberto Vieira, João
Deusdeluz Alves, José Maria Alves, Luana Paz, Luiz Daré, Maria de Fátima Nobre,
Maria Gorete Alves, Maria Ivete Queiroz, Mauro Batista, Pablo Alejandro, Paulo
de Tarso Akel, Rafaela Fortes, Rodrigo Garcia, Tarcísio Rodopiano, Valdenira
Lameiras, Vaneide Azevedo.
Núcleo Estrela
Matutina
Ana Cristina Borges, Elza Lasse, Maria Paula Vasconcelos,
Alexandre Goreti
Incentivos e apoios:
Cláudio Sarkis, Edison Saraiva, Francicarla, Viviane Mena
Barreto, Maria Madalena (Cepafre), Carmem Palet, Tarcísio Barkhaus
Ninho dos Artistas
Ednaldo Azevedo
André Cavalcante
Texto: Tereza
Moreira
Colaboração:
Aldinéia Oliveira, Chico Nogueira, Luana Paz e Sílvia Salim
Projeto gráfico:
Luiz Daré
Diagramação:
Clara Daré
Fotos:
Departamento de Memória e Documentação do Núcleo Luz do Oriente
[1]
Software livre é um programa de computador que possui código aberto, ou seja,
pode ser copiado, modificado, executado e redistribuído para outros usuários
gratuitamente.
[2] Há
um software especialmente desenvolvimento para trabalhar também com crianças,
chamado Luz do Saber Infantil.
[3]
Analfabetos funcionais são aquelas pessoas que, mesmo sendo capazes de ler
textos curtos e reconhecer números, não desenvolvem
habilidade para interpretar o que leem e de fazer operações matemáticas
simples.
[4]
Iniciativa do Departamento de Beneficência do CEBUDV criada – em âmbito
nacional – com o intuito de atender a comunidades carentes durante um dia por
ano. O Centro mobiliza voluntários de diversas áreas, bem como serviços
públicos estaduais e municipais para prestar serviços gratuitos à comunidade.
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